Busca e apreensão em escritórios de advocacia

É um tema muito recorrente nas mídias e atualmente exibe novo capítulo de forma a dar margem para uma análise singela por este causídico

A busca e apreensão é um meio de obtenção de provas com o objetivo precípuo de angariar provas materiais para serem encartadas nos autos do inquérito policial ou processo para embasar a hipótese acusatória.

Tem sua disciplina legal no Código de Processo Penal, no Capítulo XI, dos artigos 240 a 250. Dentre as espécies de busca, podem ser citadas a busca pessoal ou busca domiciliar. Aqui, foque-se na busca domiciliar, principalmente no que tange aos escritórios de advocacia.

Para a busca e apreensão domiciliar, em regra (a Constituição Federal autoriza o ingresso no domicílio nas hipóteses de flagrante delito e consentimento do morador), deve-se ter prévia autorização judicial.

Na busca e apreensão em escritório de advocacia, além de prévia autorização judicial, há extrema necessidade da presença de um representante na Ordem dos Advogados no Brasil. Ainda, a decisão judicial autorizativa deve estar baseada em indícios de materialidade da prática do suposto delito pelo advogado e o mandado de busca deve ser específico e pormenorizado.

Importante ressaltar que é vedada a utilização de mídias, documentos e objetos de outros clientes do advogado alvo da busca, assim como de todo e qualquer instrumento de trabalho com informações acerca de clientes, excetuando-se se tais clientes também forem investigados formalmente como partícipes ou coautores pela prática do mesmo delito que dera causa à inviolabilidade. O art. 7º, §6º e §7º, da Lei 8.906/94 disciplinam tais regras, veja-se:

Art. 7º São direitos do advogado:

(…)

§ 6o  Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.         

§ 7o  A ressalva constante do § 6o deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.   

Aludidas regras devem ser seguidas à risca pelas Autoridades, sob pena de todo o material objetivo com a busca ser desentranhado dos autos e se tornarem provas ilegais, veja-se precedente do Superior Tribunal de Justiça a este respeito:

HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. DOCUMENTOS APREENDIDOS QUE DERAM ORIGEM A NOVA INVESTIGAÇÃO, CONTRA PESSOA DIVERSA, NÃO RELACIONADA COM O FATO INICIALMENTE APURADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PACIENTE QUE NÃO ESTAVA SENDO FORMALMENTE INVESTIGADO. 1. Consoante o disposto nos §§ 6º e 7º do art. 7º da Lei n. 8.906/1994, documentos, mídias e objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes, somente poderão ser utilizados caso estes estejam sendo formalmente investigados como partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra de inviolabilidade. No caso, o paciente não estava sendo formalmente investigado e o crime ora apurado não guarda relação com o estelionato judiciário (que originou a cautelar de busca e apreensão). 2. Ordem concedida em parte, para afastar do Inquérito Policial n. 337/09, instaurado contra o paciente, a utilização de documentos obtidos por meio da busca e apreensão realizada no escritório do advogado do paciente. (HC 227.799/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/04/2012, DJe 25/04/2012)

Portanto, o mandado de busca e apreensão em escritórios de advocacia não pode ser expedido com teor genérico e sim com objeto definido, de forma delimitada, mesmo sendo o advogado investigado. A despeito disso, a jurisprudência do STJ também vem aceitando a apreensão de todo e qualquer objeto possível de ser configurado como prova nos autos em comento, para em momento posterior, a Autoridade Policial realizar a análise do conteúdo de forma a verificar se aludida prova tem relação com o objeto da investigação:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. BUSCA E APREENSÃO. ALEGAÇÃO DE MANDADO GENÉRICO. NÃO ACOLHIMENTO. EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS. APREENSÃO EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. ESPELHAMENTO PELA POLÍCIA FEDERAL E DEVOLUÇÃO AO INVESTIGADO. CONDUTA ADEQUADA. . ART. 243, § 2º, DO CPP. INAPLICABILIDADE AO ADVOGADO QUE FIGURA COMO INVESTIGADO. INEXISTÊNCIA DE PRERROGATIVA QUE SIRVA COMO ESCUDO PARA O ACOBERTAMENTO DE EVENTUAIS ILÍCITOS PRATICADOS POR ADVOGADOS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Trata-se de agravo regimental interposto por ROSIMERI ZANETTI MARTINS atacando decisão monocrática proferida no Expediente Avulso nº 33 ao PBAC nº 10-DF, em que se declarou a perda do objeto do requerimento veiculado, qual seja: 1) “seja declarada a ilicitude da busca e apreensão realizada com nítido excesso da própria decisão que deferiu a busca e apreensão, revelando-se desproporcional e ilegal, portanto”; 2) “subsidiariamente, caso Vossa Excelência assim não entenda, requer, com urgência, em face da flagrante nulidade e do excesso praticado, seja determinada a devolução dos arquivos não referentes ao cliente WALTER HORITA, único citado na decisão judicial que autorizou a medida”. 2. A decisão que deferiu a busca e apreensão no escritório de ROSIMERI ZANETTI MARTINS foi devidamente embasada em virtude de indícios de eventuais cometimentos de ilícitos relacionados aos fatos investigados na Operação Faroeste. Não se limita a busca a documentos que digam respeito a WALTER HORITA, devendo abranger toda a documentação que tiver pertinência com os crimes investigados no presente procedimento criminal. 3. Nesse ponto, registre-se que constam na decisão que determinou a busca e apreensão diversos outros indícios de possíveis cometimentos de crimes por parte de ROSIMERI MARTINS, a merecer a devida investigação, consoante se lê nos trechos transcritos no voto. 4. Não há como exigir-se da autoridade policial que, no dia da deflagração da operação, durante o cumprimento do mandado, analisasse toda a documentação – papeis, computadores, pendrives, celulares e demais arquivos e mídias – no próprio escritório de advocacia. O mandado determina que sejam tais documentos buscados e apreendido, a fim de que sejam devidamente periciados pela autoridade policial. 5. No caso concreto, a Polícia Federal procedeu exatamente dessa forma, promovendo o espelhamento dos equipamentos eletrônicos e devolvendo-os com brevidade a ROSIMERI MARTINS, de forma a não prejudicar a sua atuação profissional. 6. É inadequada a alegação do art. 243, §2º do CPP pela requerente, uma vez que, ao vedar “a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito”, visa a impedir que o advogado seja investigado e tenham documentos seus apreendidos em razão de crimes cometidos pelo seu cliente. Não tem aplicação aos casos, como o presente, em que o investigado trabalha como advogado. A nobre função da advocacia não pode servir como escudo para o acobertamento de ilícitos, os quais, preservadas as prerrogativas do causídico, devem ser investigados. 7. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg na PET no PBAC 10/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/06/2020, DJe 24/06/2020)

Desta feita, as regras são rígidas acerca da busca e apreensão em escritórios de advocacia, porém existe uma certa mitigação em alguns pontos em decisões dos Tribunais Superiores. O mais importante é a verificação, no momento da busca, se existem todos os requisitos a tanto, com a decisão específica sobre o objeto da busca e apreensão, além da presença de um representante da OAB no momento da diligência.

De qualquer forma, o presente texto apenas trouxe breves comentários e singela pesquisa de precedentes sobre o tema. 

Fonte: https://jus.com.br/artigos/85318/busca-e-apreensao-em-escritorios-de-advocacia

William Albuquerque de Sousa Faria

Advogado criminalista, sócio do escritório Albuquerque Faria Advocacia, Mestrando em Direito pela Universidade de Coimbra-PT, Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra-PT, graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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